Denúncias e perplexidade marcam audiência pública sobre intervenção 10/05/2018

Evento na Alerj reuniu deputados, integrantes do Observatório e ativistas

Denúncias de abusos policiais na Rocinha e na Cidade de Deus e atuação violenta de milicianos e traficantes na Baixada, além da preocupação com o fim das UPPs e mudanças no sistema penitenciário marcaram a audiência pública realizada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), nesta segunda-feira, dia 7 de maio. Convocada pelo deputado Carlos Minc (PSB), a audiência para discutir a intervenção federal no Rio de Janeiro reuniu conselheiros do Observatório da Intervenção, instituições da sociedade civil, Defensoria Pública e Ministério Público. Além de Minc, participaram os deputados estaduais Zaqueu Teixeira (PSD) e Dr. Julianelli (PSB) e o deputado federal Alessandro Molon (PSB).

O encontro começou com uma apresentação da coordenadora do Observatório, Silvia Ramos. Silvia apresentou dados sobre os dois primeiros meses da intervenção no Rio, mostrando o aumento de crimes contra o patrimônio e a manutenção dos homicídios em altos patamares, além do emprego de grande  contingente de agentes (44 mil, em 70 operações) sem resultados. “A segurança continua sem programa, sem metas, sem orçamento e sem comando”, comentou.

O cotidiano de violência que persiste no Rio de Janeiro, apesar da intervenção federal,  foi um dos destaques do encontro. Shirley Muriel e William de Oliveira lembraram a rotina de conflitos na Rocinha. “A gente acorda e dorme com tiroteios”, disse Shirley. “Em oito meses, já houve mais de 100 tiroteios e 60 mortos. O que a gente precisa é de intervenção social”, completou William.  Viviane Salles, da Cidade de Deus, relatou que a comunidade, alvo de operações diárias desde a morte de um capitão PM, em 3 de maio, “vive o seu pior momento desde a queda do helicóptero em 2016”. Ela contou que ativistas locais receberam inúmeros relatos de invasões e depredação de residências e violações de direitos atribuídas a forças policiais.

Luciene Silva, representante de uma associação de familiares de vítimas de violência policial, e Adriano Araújo, do Fórum Grita Baixada, citaram o agravamento da violência na região, com a atuação cada vez mais ousada de grupos de milicianos e traficantes. Luciene emocionou as dezenas de pessoas que lotavam a sala no Palácio Tiradentes ao lembrar que a impunidade permitiu a Chacina da Baixada, na qual 29 pessoas foram mortas por policiais, em 2005. “Algo tem de ser feito. Se algo tivesse sido feito naquela época, não teria havido Chacina da Baixada. Um dos PMs tinha 14 processos de autos de resistência nas costas. Se ele tivesse sido punido, não teria matado o meu filho.”

Os deputados presentes se somaram aos representantes da sociedade civil nas críticas à intervenção. Molon compartilhou suas impressões, após dois encontros com os comandantes da ação federal: “Não há plano. Eles foram pegos de surpresa. Acompanhamos com muita preocupação essa situação”.  “Nunca tive esperança de que a intervenção desse resultado. Não foi política, foi politiqueira”, disse Zaqueu Teixeira. “Todo esse processo vem, não para resolver o problema da segurança pública, mas para dar uma sobrevida ao MDB”, declarou Julianelli.

 

Fora da ordem

Representantes da Defensoria Pública e do Ministério Público;  integrantes de organizações da sociedade civil, como Faferj, Observatório de Favelas, Redes da Maré, Casa Fluminense e Fórum Grita Baixada; e ativistas de comunidades como Vila Kennedy, Cidade de Deus, Maré e Borel, entre outros, participaram do encontro na Alerj.

Renata Neder, da Anistia Internacional Brasil,  criticou o uso das forças militares na segurança pública: “O modelo proposto tem sido o da militarização, da guerra, que a gente já sabe que não dá certo”. Ela lembrou que está em vigência desde outubro a Lei 13.491, que transfere para a Justiça Militar o julgamento de crimes  contra civis cometidos por profissionais das Forças Armadas em missões federais – um retrocesso que evoca o período do governo militar no Brasil e, segundo ela, “vai garantir a impunidade”. Daniel Lozoya, do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública, concordou: “Temos um verdadeiro foro privilegiado”.

Os presentes aproveitaram para fazer cobranças. Henrique Silveira, da Casa Fluminense, indagou onde estão os resultados da CPI dos autos de resistência, ainda não  divulgados. Coordenadora do CESeC, Julita Lemgruber, criticou o chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, por não dar esclarecimentos públicos sobre a investigação das mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes. Ela também chamou de “revoltante” e “descalabro” a recente decisão do comando da intervenção, que mudou as regras do sistema penitenciário para que presos provisórios possam ser alojados em unidades prisionais destinadas aos já condenados.

Charles Siqueira, integrante do Conselho do Observatório e articulador de ações culturais e sociais no Morro dos Prazeres, falou com preocupação sobre a desarticulação do programa das UPPs. “Os que foram chamados a apoiar aquela política agora são abandonados à própria sorte. Mais uma vez investimos tempo, dinheiro e fé das pessoas a troco de nada”.  E encerrou com uma citação de “Fora da Ordem”, de Caetano Veloso: “Aqui tudo parece/ Que era ainda construção/ E já é ruína”.

 

Texto: Anabela Paiva

Fotos: Rafael Wallace/Alerj