Os números que me atingem 20/04/2018

Edu Carvalho

92% dos moradores do Rio de Janeiro que foram entrevistados têm medo de bala perdida, e é neste momento que sou atingido. Atingido porque estou inserido nos 30% daqueles que ficaram no meio de tiroteios. Eu, Dona Lúcia, Edson, Barrão, Luísa com seus sete anos e outros tantos. Sou atingido, sobretudo, porque não banalizo o ato, muito menos a dor. Não podia ser assim, ou ao menos não era. O cano da arma tinha que estar apontado para a favela?
Enquanto escrevo este texto, escuto tiros sendo disparados. Mais uma vez, sou atingido. Talvez porque parto de um local onde mesmo depois de terem sido tomadas medidas como aumento de efetivo, ou simplesmente a continuidade
dos trabalhos da Polícia Militar, não se obteve bons resultados.

Me atingiu também quando me confrontei com todos os dados disponibilizados nesta pesquisa. Eu não sei se você leitor conseguirá entender, mas é difícil conceber que uma realidade da qual você vive pode um dia ser quantificada, ser transformada em números. E que na real, são pessoas.

E que fossem notados. Ao menos era o que toda a favela gostaria que acontecesse. Que esses números fossem nomes, sobrenomes, RGs. Que não fossem esquecidos, ou que apenas não virassem simplesmente 8% de vítimas de balas
perdidas. Vidas perdidas. Vidas desperdiçadas.

Vidas que se cruzam pela Cachopa, Rua 2 ou Via Ápia, todas localidades da Rocinha. Que circulam pelo Alemão, Acari, Cidade de Deus, Cantagalo, Mangueira e Baixada. Vidas que no fim, viram dados.

Eu tenho medo de ser alvo. Ou melhor, probabilidade. Eu ainda não fui, e não, não é por sorte. Mas o filho da Joana, vizinha de baixo, foi, em setembro do ano passado. O Jonatha tinha 19 anos, mesma idade que a minha. Desde então, o medo convive comigo diariamente. De certa forma, fui atingido.

Quero viver, conhecer outros jovens de diferentes faixas etárias. E também adultos – homens, mulheres, todxs. Quero que haja integração, para além da mobilidade, com aqueles que moram em bairros nobres.

Quero que a cidade volte. Que não tenhamos mais que quantificar que 6% da população foi violentada pela Polícia Militar e que deste percentual, 4% são mulheres.

Que a educação seja o maior instrumento disponível e possível na mão de qualquer pessoa. É essa força transformadora com a qual quero ser atingido, sempre. E que o preconceito diminua.

Quero, sobretudo, que a esperança daqueles que moram nas favelas não esmoreça. Que consigamos superar esses episódios, e que a paz seja um tanto possível. Para mim, para você, para todxs. Só sei que eu acredito no menino e é no menino, que vejo a força da fé.


Edu Carvalho é repórter do site FaveladaRocinha.com.

Foto do post: Ratão Diniz