Marielle e a Intervenção Militar 25/04/2018

A luta pelos direitos humanos e, dentro dela, pelo direito à vida e à segurança fizeram parte de toda a trajetória política de Marielle Franco. Sua luta dentro da institucionalidade se deu na Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ, onde foi coordenadora de uma equipe que existe para atender à população carioca. Toda a população. Chegavam casos absolutamente diferentes – de direito à moradia, à saúde até questões de segurança dentro de presídios – naquele palácio na Praça XV. Este, por si só já assusta com sua burocracia, tamanho e pompa, aqueles que chegam para buscarem pelo cumprimento de seus direitos. Não parece “a casa do povo”. Não se pode entrar de chinelo ou bermuda. Muitas vezes Marielle e sua equipe precisavam ir até a porta “se responsabilizar” pela entrada de alguém que não estivesse com os trajes determinados pelo local.

Muitos anos se passaram até Marielle se tornar a 5ª vereadora mais votada da cidade do Rio de Janeiro e, como tal, foi presidenta da Comissão de Defesa da Mulher da Câmara de Vereadores. Nesta tarefa também não se furtou aos debates e posicionamentos sobre segurança pública e intervenção militar, entendendo que o debate sobre esses temas necessita do olhar e vivências que as mulheres negras trazem. Por isso, ela era também uma das relatoras da Comissão Especial da Câmara para acompanhar a intervenção militar no Rio, entendendo a importância desse tema para a vida da população (principalmente negra) da cidade.

No dia 16 de março completou um mês da intervenção militar e, como de costume, algumas pessoas da equipe ajudaram a preparar a fala que Marielle faria no plenário neste dia. Esta fala não existiu. Como também não existem mais os inúmeros atendimentos e encaminhamentos que fazíamos pela Comissão da Mulher. Sucumbiu o mandato de uma mulher negra, de esquerda e favelada. De um jeito ou de outro, quiseram calar sua voz e, isso, não conseguiram fazer. Eles não têm balas para todas nós. Somos muitas e muitos, estamos espalhadas pelo Rio e pelo mundo e não daremos nenhum passo atrás. Vamos ocupar cada vez mais cargos institucionais, vamos ocupar as ruas, os movimentos… e o sonho de outra realidade possível e necessária não será enterrada com nossos mártires. Elas e eles vivem em cada uma de nós.

A intervenção federal, comandada por um militar dá o tom do que esse governo propõe como política pública. Se segurança é igual a armas e liderança é igual a militarismo, nos parece que nosso país nada aprendeu com sua história recente. Diante de alguns dados sobre segurança é difícil entender porque o governo federal escolheu o Rio de Janeiro como ponto principal de sua intervenção. Esta cidade teve uma taxa de 30 mortos a cada 100 mil habitantes, no ano de 2016. Ficando atrás, dos Estados do Alagoas (51 por 100 mil), Rio Grande do Norte (50 por 100 mil), Ceará (37 por 100 mil) e Goiás (37 por 100 mil), segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Além disso, as últimas experiências mostram que a ocupação das forças armadas não resolveu o problema de insegurança. Inclusive, é importante que observemos os anos em que o exército é levado às ruas para “solucionar” uma situação emergencial. O que há em comum nesses anos não é uma situação alarmante na segurança pública, mas sim, que todos os anos são eleitorais. Coincidência? Acreditamos que não. Aqui destacamos os anos de 2010 – Complexo do Alemão, 2012 – Rocinha, e 2014 – Maré. O que temos como resultado desta política?

O interventor federal, o General Braga Netto declarou que “O Rio de Janeiro é laboratório para o Brasil”. A vida das pessoas não pode ser experimento de modelos frágeis de segurança, frágeis porque pouco refletidos, e que ampliam a condição de vulnerabilidade da vida das pessoas. As vidas dos moradores de favelas, da população pobre, da população negra, das trabalhadoras e trabalhadores importam. E não toleraremos sermos tratados como descartáveis.

Segurança Pública não pode servir de palanque eleitoral. É evidente que essa é uma área das que mais preocupa a população. Mas não podemos tratar deste assunto tão importante de forma tão irresponsável e populista. É preciso ter compromisso com a vida das pessoas. É sobre a vida das pessoas. Segurança pública é política pública, tem a ver com planejamento, e não com ações pontuais ao gosto de interesses particulares.

Neste momento delicado da história política de nosso país, com prisões sem provas, avanço militarista e execuções sumárias, inclusive de figuras públicas como a Marielle, o caminho da esquerda precisa ser cuidadoso e ágil. O tempo do nosso luto se confunde à luta que precisamos travar. Escrever esse texto é um desafio à nossa dor e à memória que levamos na pele.

A política de segurança pública violadora e militarizada, que submete territórios e vidas à ponta do fuzil permanece. Tememos, literalmente, que nenhuma vida importe. O lugar da Marielle na tribuna era lembrar a cada dia que existia uma maioria da população que não estava representada, não era ouvida, que simplesmente era invisível. Hoje, diante de um governo ilegítimo, de uma democracia fragilizada, de uma demanda represada que evidencia a urgência desse debate, por Marielle, Anderson, Cláudia e Amarildo estamos aqui.

Por eles e elas e por aquelas e aqueles que virão. Continuemos.

Intervenção, não em nome de Marielle e Anderson!

Equipe Marielle Franco

Foto do post: Bruno Itan