Estimular o medo para controlar a sociedade 20/04/2018

Rosilene Miliotti

Não me assusta olhar os resultados da pesquisa, principalmente um mês após a dita intervenção militar na cidade do Rio de Janeiro. Estimular o medo é mais fácil e cômodo para o Estado do que pensar e efetivar uma real política de segurança pública. O medo paralisa e “ajuda” a controlar a sociedade, principalmente os mais pobres.

Algumas pessoas devem se lembrar o quanto tinham medo dos seus pais. Se fizessem algo de “errado” tinham a certeza que levariam uma surra, não é verdade? A mãe às vezes até conversava, mas a figura do pai era de rigor, de impor o medo para que fosse respeitado. Vejo o Estado relativamente da mesma forma. Aquele pai que não conversava, apenas punia para que fosse respeitado. Entretanto, sabemos que essa punição varia de acordo com a classe social, cor da pele, gênero e endereço.

“Não saia a noite”, “não tenha celular, carro ou tênis caro”, “não use joias ou relógio”. Já ouvimos e reproduzimos esses alertas com certa naturalidade. E aí penso o quanto a indústria do medo trabalha bem. “Se você ficar com o celular na mão, você facilita o trabalho do bandido”, mas quem é o bandido? Na real, cariocas (mas incluo os brasileiros também) sabem que é verdade e isso realmente pode acontecer, mas não pensamos que o Estado deveria garantir que eu pudesse usar meu celular sem medo de que fosse levado por alguém.

De que eu pudesse usar um cordão, presente da avó. Que eu pudesse usar minha aliança de compromisso. Que eu pudesse andar na rua a noite de carro ou a pé, sem medo. Outra consequência do trabalho da indústria do medo é a reação ao bandido. Vejo crescer o número de pessoas que querem pegar em arma para se “defender”. Elas só pensam em defender seus bens, o que é legitimo porque trabalhamos duro para ter, mas não cobram do causador da violência. Ninguém pensa em se defender do Estado. Ninguém pensa que deve cobrar dele a segurança e não de si mesmo.

Como disse anteriormente, o medo paralisa. E nesse caso, paralisa o pensamento crítico. “Não reaja”. Somos roubados todos os dias com a cobrança cada vez mais alta de impostos e nada retorna ao povo. Não temos educação, saúde, infraestrutura e muito menos segurança pública. Quanto mais pobre, menos acesso a direitos e mais cobrança de deveres. Sim, somos muito cobrados a correr atrás para sermos melhores, só assim vamos nos diferenciar dos “bandidos e os derrotados da favela” e conseguiremos “ser alguém na vida” e viramos exemplo para outros. É uma lógica um pouco absurda essa da meritocracia, mas é assim que funciona para nós pobres.

Medo dividido por classe social

A pesquisa evidencia que as pessoas entrevistadas têm mais medo do que possa acontecer do que o que realmente acontece. A sensa- ção de insegurança é grande, porém diferente de acordo com a classe social. Uma pessoa da zona sul, por exemplo, certamente terá mais medo de ser assaltada do que ser vítima de violência por parte da PM. Já os moradores de favelas e bairros populares, tem medo de serem assaltados, até porque ninguém quer ter seus bens roubados, mas provavelmente esse indivíduo está mais vulnerável a uma ação truculenta da PM pelo histórico de violações de direitos nessas localidades.

É comum encontrar entre os que moram nas favelas quem guarde com todo o cuidado as notas fiscais da compra de equipamentos como televisão, computador, entre outros. Tudo isso para que, em caso de operação policial, possam provar que tudo foi comprado e não fruto de roubo. Muito provavelmente, as pessoas na zona sul guardem esses comprovantes apenas para fins de garantia, porque não correm o risco da PM entrar em suas casas sem mandato. Aliás, se um morador da favela negar a entrada de um policial e exigir o mandato, dificilmente não será “esculachado”.

Já o resultado sobre vitimização, 92% dos cariocas tem medo de ser ferido ou morto em um assalto, 39% acha que isso pode acontecer no futuro e 2% dos entrevistados já foram feridos durante assalto. Sobre a pergunta que trata de se ver em meio ao fogo cruzado entre policiais e bandidos, 39% acredita ser muito possível e 30% já se viu nessa situação.

Esse tipo de episódio ultrapassou os limites das favelas e hoje pode acontecer em qualquer lugar, mas lógico que com menos frequ- ência em áreas nobres da cidade. Até porque, de acordo com José Mariano Beltrame ex-secretário de Segurança do Rio de Janeiro, “um tiro em Copacabana é uma coisa. Um tiro na favela da Coréia é outra”. A afirmação foi dita em 2015, quando a situação da cidade em relação à violência era diferente. Eu gostaria de saber se ele ainda pensa dessa maneira.

As vias expressas como Linha Vermelha, Linha Amarela e Avenida Brasil, com certa frequência são palcos desse tipo de situação e pouca coisa é feita para resolver. Lembrando a celebre frase de Beltrame, a intervenção militar se justificou a partir das inúmeras situações de violência registradas no carnaval carioca justamente na zona sul, principalmente em Copacabana. Por outro lado, devo confessar que tenho um certo preconceito ao carnaval dessa região da cidade e, por isso, apenas frequentei blocos do Centro. Não vi policiamento, mas também não vi violência.
É como se houvesse um holofote virado para o Rio de Janeiro, a violência e a proliferação do medo está espalhado pelo país. Mas porque o Rio de Janeiro recebeu essa fajuta intervenção? Seria para justificar a falta de controle social? Os dados mostram que a violência só aumentou no curto período de intervenção. Não há patrulhamento e a mídia corporativa – como apoiou a medida – tem cobrado resultado.

Assim como em outras situações onde os militares foram para as ruas e tiveram pouco resultado, só a história vai nos dizer o que irá acontecer com a cidade do Rio de Janeiro em relação à violência e ao medo. Mas, se não houver uma mudança estrutural, os resultados continuarão frustrando e teremos mais e mais pesquisas que irão confirmar o aumento do medo e a vitimização.


Rosilene Miliotti é jornalista da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educação (FASE) e fotógrafa popular

Imagem do post: Bruno Itan